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A Chegada





“Se você soubesse sua vida inteira, você a viveria do mesmo jeito ou a mudaria?”


Uma das grandesas do cinema é proporcionar os mais diversos tipos de emoções diante de uma grande tela. Lá choramos, rimos, pensamos sobre a vida, aprendemos e sonhamos. No entanto há filmes que fazem mais que isso. Eles são raros, mas os títulos que literalmente mudam sua visão da vida fazem valer toda a paixão e devoção que esta arte demanda daqueles que a seguem. E “A Chegada” (Arrival, 2016), é um desses exemplos.

Na trama, doze naves alienígenas aterrissam na Terra, e a linguista Louise Banks (Amy Adams), é chamada para iniciar uma tentativa de comunicação com os seres.

“A Chegada” é daqueles filmes muito bem-acabados e que dão gosto de assistir. A competência ainda pouco conhecido, porém já cultuado Denis Villeneuve é concisa e passa confiança ao público, que entende logo de cara que cada cena, cada enquadramento é encaixado cuidadosamente na construção da trama. Méritos de Villeneuve e méritos de um roteiro aberto e que não subestima seu público. Com diálogos na medida certa, ele nunca soa como inoportuno, didático ou pretensioso demais, deixando o filme inteiro composto em uma única medida, e que também não se rende a chavões ou diálogos piegas, conferindo prioridade e atenção a seu tema principal.

Este cuidado, aliás, é o que mantém o clima melancólico do início ao fim. Desde sua primeira tomada temos a consciente de tratar-se de um filme introspectivo e reflexivo. E Villeneuve conduz este tom com uma competência gigantesca. Nunca pendendo ao heroísmo profético totalmente oportuno do gênero, como também não o deixando parado demais.

Méritos aqui para Amy Adams, que se impõe perante seu personagem e oferece uma trajetória memorável. Adams em nenhum momento reduz a grandesa de Louise transpassando uma credibilidade de estarmos acompanhando alguém competente e que sabe exatamente o que está fazendo. A evolução da personagem acontece de maneira orgânica e ao final da projeção entendemos toda a sua importância, sem em nenhum momento o roteiro falar a respeito.

O trabalho de som aqui ajuda a impor o peso que o filme tem e o acontecimento que ele registra, representado principalmente no cuidado com a ambientação no interior da nave. Aqui destaca-se também a bela e inquieta trilha sonora, que se mantém passiva durante toda a trama, nunca se preocupando em tornar-se protagonista e que, justamente por esse motivo, a faz fabulosa, acrescentando e muito para o tom do filme.


SPOILERS


Referente a história em si, A Chegada já nasce clássico. É um filme para ser visto, revisto e muito debatido. Tendo a façanha de dialogar problemas presentes com temática futurista, o longa é questionador do início ao fim. A temática da comunicação, principal fator abordado pelo filme é ambígua, ao ponto de Villeneuve brincar com tal contradição. Como na cena em que Louise, após estabelecer pela primeira vez contato com uma raça alienígena, vê-se pressionada a oferecer subsídios para seu superior convencer/comunicar os responsáveis pela operação para que prossiga com seu trabalho. Louise na verdade tem duas missões, a primeira, comunicar-se com os aliens e a segunda (e a mais difícil?), com os próximos humanos.

Subindo de patamar, percebemos que nas doze conchas distribuídas ao redor do planeta, o problema é o mesmo. Tanto a comunicação com os aliens, quanto a entre humanos não evolui. E é curioso perceber o tom de ameaça que o filme sugere. Mesmo não oferecendo nenhum sinal claro de confronto, o tom da negociação é de ameaça. Não apenas das forças de segurança que conduzem a operação, mas até mesmo da mídia, que pressiona por informação e questiona a falta dela, como de civis, que da forma que melhor encontram questionam não somente as posições do governo, como ideologias, crenças e costumes.

A questão da comunicação ainda traz artifícios sagazes que o diretor semeia ao longo da projeção e que oferecem alimento para várias reflexões.

No entanto, o ponto que mais é expandido para o debate e muda toda a trajetória do longa é a explicação de Louise sobre a teoria do “CPU Off”, citada no filme, aonde, segundo ela, a língua a qual você fala, determina como você pensa. No caso dos aliens, a língua dele, os faz compreender o tempo e interagir diante dele.

E é esta introdução que prepara o terceiro ato do filme e o coloca como um dos grandes momentos da história da ficção científica no cinema. A linguagem universal aprendida por Louise e repassada para toda a humanidade nos evolui como seres humanos e garante a nossa sobrevivência, tanto para dentro, quanto para fora de nosso planeta.

E aí entra a ironia fantástica de A Chegada. Sabemos que o ser humano por si só é um ser sociável. É fato que precisamos uns dos outros para sobreviver e é fato também que não sobrevivemos sozinhos. É uma necessidade natural nossa, como comer e dormir. A coletividade, aliás, é que fez a nossa raça chegar aonde estamos hoje. Quando nossos primórdios deixaram de caçar individualmente para viverem em grupos, nos tornarmos fortes e sobrevivemos. Porém, chegamos a um ponto em que o diálogo, ou a falta dele, nos prejudica mais do que ajuda. Vemos por exemplo a falta de consenso mundial quanto a situações climáticas, as guerras no oriente médio, a questão dos imigrantes, desavenças ideológicas, partidárias ou simplesmente de conflitos de opiniões. Todos são pontos que, ao invés de aproximar, acabam afastando. Afastando tanto, que a solução encontrada para unir o nosso mundo, precisa vir de fora, tão distante estamos desta. O presente, a arma, a ferramenta oferecida por eles, não é nem tanto a clarividência perante ao tempo, mas a nossa própria compreensão de compaixão e finitude.

A questão do tempo aqui deixa espaço para divagações. Minha compreensão é de que ganhamos um novo sentido. Não necessariamente a viagem no tempo em si, mas a percepção dele como algo onipresente e não mais imponente. Temos então a percepção de onde estamos, o que fomos e para aonde vamos. O tempo não mais seria estático, o presente não mais existiria, mas sim o todo de uma única vez.

E é essa visão do todo que proporciona a grandeza extrema de A Chegada, e que curiosamente retorna ao tema ao qual Interestellar (2015), de Christopher Nolan sofreu tanto. Porém com uma roupagem mais abstrata e imaginativa.

Ao final, todo o giro proposto pelo filme retorna no sentimento do amor. No amor como propulsor de nossas ações e como força motriz, incontrolável e feroz.  Ao falar do amor é inevitável que a palavra vida se encaixe no contexto, uma vez que o primeiro é combustível para o segundo. E é esse combustível que faz Louise tomar a decisão que tanto amou como tanto odiou, pois, mesmo sabendo de todas as consequências dolorosas de sua opção, assim mesmo a fez. Não porque não tinha opção, porque era seu destino ou porque “assim era para ser”, mas porque o amor é incontrolável e irresistível. E é por isso que nos arriscamos por ele sem medir consequências.

A decisão de Louise nos revela, em um filme que busca explicações além-mundo, respostas totalmente interioranas, tanto que, de certa forma, a “chegada” do título, fala muito mais da vinda ao mundo de sua filha, do que dos aliens. É a aceitação nossa como humanos, como seres afetuosos e sensíveis, como uma raça que luta para sobreviver e que precisa de tão pouco para evoluir. Basta perceber que não precisarmos esperar uma resposta ou uma salvação vinda dos céus, uma vez que ela está em nós mesmos.



Comentários

  1. Incrível! A atriz Amy Adams se compromete muito com o personagem. A vi recentemente em filme liga da justiça e recomendo! É um filme muito divertido, é uma boa opção para uma tarde de filmes. Se ainda não tiveram a oportunidade de vê-lo, eu recomendo, na minha opinião, este foi um dos melhores filmes de drama que foi lançado. O ritmo é bom e consegue nos prender desde o princípio, a historia está bem estruturada, o final é o melhor.

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